Três cores e um caderno

O desafio de voltar a desenhar

Marcos Felipe

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Esse texto foi originalmente publicado na minha lista de emails se você se interessar em acompanhar clique aqui para assinar.

O dia-a-dia do trabalho de design pode fazer a gente perder o parâmetro para avaliar o trabalho que estamos fazendo na frente do computador. Apesar de ter feito, recentemente, trabalhos que exigem técnicas diferentes como ilustração, pôster, propaganda, fotografia, filme e interface, sinto que o fato de todas essas coisas terem sido feitas na tela de um computador acaba colocando tudo sob uma mesma perspectiva.

Resolvi voltar lá no desenho, a forma mais básica de se representar uma cena ou construir uma imagem, para tentar reestabelecer essa conexão e deixar o meu trabalho mais consciente.

A minha proposta foi simplificar: separei um caderno para usar apenas três cores nele. O azul, o amarelo e o cinza foram os escolhidos porque eu já estava trabalhando com corres parecidas para o meu portfólio. Até o momento, já preenchi 20% do caderno e cheguei a algumas reflexões graças a esse desafio.

As canetas!

O desenho, assim como todas as formas de representar imagens, precisa de um sistema de design para fazer sentido. Por exemplo, as cores e o contraste entre elas conduzem o olhar pela página. A proporção dos elementos também influencia a leitura da imagem. Quem cria precisa pensar na hierarquia: o que eu quero que a pessoa veja primeiro? Qual é o contexto em que a imagem vai ser vista? Qual é o clima que eu quero passar com essa cena?

Isso foi algo que ninguém nunca me falou quando eu estava aprendendo a desenhar; talvez por eu nunca tenha gostado dos meus desenhos. Sentia que faltava algo, que estava meio fora de lugar. Hoje eu consigo ver com mais clareza o que eu fazia de errado: que era a falta de um sistema de design.

Assim comecei a testar a minha proposta. No começo foi frustrante, mas com o tempo fui me sentindo à vontade com o meu traço e com o material que eu escolhi. Fui testando combinações das três cores, tipos de linha, ângulos da caneta e temas: desenhar pessoas, cenas do cotidiano ou coisas totalmente inventadas.

Uma das coisas que pude trabalhar foi a minha dificuldade em representar proporções. A proporção é importante para a hierarquia de informação, mas também para a sensação de profundidade. Entendendo melhor como esse elemento funciona, pude ver porque os meus desenhos antes eram tão chapados, planos.

As cores me ajudaram nesse processo. Uma das formas que testei foi, primeiro, rabiscar livre com o amarelo, um traço que não é perfeito, e nem é pra ser, apenas para me ajudar a visualizar a cena. Depois, vinha com o azul, para definir o que estaria em primeiro plano.

Outra forma que testei foi usar o amarelo para representar uma coisa, como espaços preenchidos por luz, e o azul para representar outra coisa, como espaços com sombra.

Depois parti para o uso da aquarela, usando sempre as mesmas cores: azul, amarelo e cinza. A natureza do material permitiu uma mistura e um contraste menor entre as cores, que até se misturavam em alguns pontos. O aspecto embaçado desses desenhos aquarelados, que me agradou muito, se diferenciou do aspecto bem definido que eu consegui com as canetas.

Acho q nunca tinha tentado fazer um auto retrato antes, esse exercício dá tema para outro texto.

Fazia tempo que eu não desenhava à mão. Apesar de enferrujado, acho que consegui evoluir e tirar disso reflexões importantes para me ajudar no meu trabalho.

Que o design se beneficia muito da simplicidade, disso eu já sabia; o que eu passei a entender com esse desafio foi como encontrar o que é essencial numa ideia e o que merece ser refinado e ganhar contornos mais definidos a partir daí.

Trabalhar com esses materiais me fez enxergar que o que eu projeto, mesmo num computador, pode começar borrado, embaçado (como as aquarelas) e ir ganhando definição ao longo do processo (como o traço da caneta).

Esse é só o começo desse exercício e estou entusiasmado para saber quais as outras conclusões que vou tirar disso, quando surgir outras coisas eu volto para contar. Se tiver alguma dica ou exercício do tipo, por favor me envie.

Estou organizando todas as imagens em um blog no tumblr, se quiser acompanhar a evolução desse projeto dá um pulo por lá acompanhe: http://trescoreseumcaderno.tumblr.com/

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Marcos Felipe

As ideias não podem existir apenas na nossa cabeça.